Pelo Minho, do verde à água - Revista Fugas

Nem sempre quem procura água vai dar a ela, daí que esta rota pelas zonas de rios e ribeiros alto-minhotos desemboque no milho, em bicicletas e até no Salazar. Andámos pelas barbas do Lima, do Coura e do Vez, no turismo azul do verde Minho.

Há uns anos, quando Paulo Moninhas não tinha Ælhos, tudo era bom. “Vinha por aí afora, com uma tenda, e dormia onde calhasse.” Foi numa dessas viagens, de jovem livre, que descobriu a praia de Estorãos. Era muito diferente. Os choupos ao fundo, onde agora cinco pessoas se regalam com uma sesta, ainda eram pequenos. A praia não era mais do que uma passagem do rio, com uma azenha a funcionar junto à ponte romana, e não havia café a 50 metros. Na azenha, a poucos quilómetros de Ponte de Lima, entrava milho e centeio. Agora, entram pessoas de fora; é uma casa de turismo rural. E o rio ganhou uma margem cimentada onde a família de Moninhas, que aqui vem em romaria da Póvoa de Varzim há mais de 20 anos, pela altura da Páscoa, se senta de pés na água a comer e a conversar. “A água do mar tem estado muito mais fria. E lá [na Póvoa] há muita confusão”, diz Paulo, que vive hoje (Ænal de Junho) a primeira grande reunião familiar desde Março, mês em que nos fechámos.

Longe do vento e da areia grossa, Paulo é o poveiro que escolheu o rio para evitar multidões em tempo de pandemia. Talvez muitos pensem como ele neste Verão e as margens que durante décadas foram conhecidas como as “praias dos tesos” se encham mais do que o habitual. Fala-se num turismo mais equilibrado entre o litoral e o interior, onde crescem o rio e a piscina. No município de Arcos de Valdevez, as casas de turismo rural estão lotadas até Setembro e para o mesmo caminham Ponte de Lima ou Ponte da Barca. Mas Estorãos tem recantos. “Estamos bem aqui.” No rio, pode-se viver na sombra.

Lugares de platina

Com o vale do Lima nas costas e a serra d’Arga sobre a barriga, Paulo Moninhas põe o pé na rocha lisa e vai ao mergulho sem medo. “Não há nada como sair da água sem salitre”, exclama, e ter direito a menu distinto confeccionado no grelhador público. Há entremeada, costela, batata frita, pizza para o lanche, sangria e “vinho do Porto com fartura”. Estamos em Junho mas este já é um querido mês. Na praia, foram-se as máscaras, ficaram os calções e biquínis. Mas “só com conhecidos” e “só para quem conhece”, atenta Francisca, de 16 anos, a gozar as férias em casa, junto ao rio onde aprendeu a nadar. “É preciso conhecer as pedras”, reforça o amigo, Diogo, de 17 anos. “Há ali uma grande, no fundo da água. Tem de se saltar [desde a ponte] mais para a direita.” Depois há as correntes, aqui poucas, mas em muitos outros lugares de rio traiçoeiras. A água é doce, mas não se diga que estes “marinheiros” são menos bravos por isso.

A Moninhas e à família calhou-lhes Estorãos. Mas poderiam cumprir a histórica reunião familiar nos lugares da Valeta, de Vitorino das Donas, de Casaldate, da Lenta, do Taboão, das Azenhas. Não faltam praias fluviais, rios e ribeiros ao Alto Minho, com uma qualidade ambiental superior, como têm atestado estudos e certificados. 

No Ænal do ano passado, a região foi distinguida com um selo Quality Coast/Green Destinations de platina, um reconhecimento (para lugares que partilham os valores de preservação e sustentabilidade ambiental, requalificação patrimonial, responsabilidade social e desenvolvimento turístico sustentável) que só cabe a mais duas outras regiões do país: os Açores e o Oeste. Já em 2018, o Alto Minho tinha sido considerado um dos 100 melhores destinos sustentáveis do mundo, que se rega em autonomia e mostra línguas de água a descer pelas ruas aldeãs em pleno Verão. Tem sido a água, em boa parte, a moldar a paisagem e a construir a economia e a cultura e é por isso que vamos com ela, para lá do caiaque e dos mergulhos, atrás de moleiros, passadiços, projectos de comunidade pensados no Estado Novo e pistas para andar de bicicleta.

À procura do moinho vivo

Desde Ænais do século XVIII até ao século passado que a azenha de Estorãos trabalhou para abastecer Ponte de Lima. Mas com a modernização dos equipamentos e a decadência da produção de cereais em Portugal, passou a fazer parte dos milhares de moinhos abandonados pelo país (um dos que mais moeu, de forma primitiva, em toda a Europa). Em 1964, havia quase 32 mil azenhas e moinhos de rodízio em todo o território (activos e não activos), e pode-se agora contar pelos dedos as estruturas moageiras em funcionamento. Vamos dar com uma delas, a única no concelho, mais acima na cartografia, em Casaldate, Paredes de Coura.

Há um caminho de terra. Milho do lado direito, rio do outro, Manuel Barbosa, 90 anos, ao centro. O moinho existe, explica o moleiro ainda no activo, porque era “um gosto” que o pai tinha e que Manuel, assim que pôde, cumpriu. Adquiriu um conjunto de cinco mós e fez da moagem rotina. É certo que nem tudo foi sonho. “Tinha uma ansiedade em viver melhor do que viveram os meus pais”, explica. E também previa que, um dia, a actividade pudesse terminar. Quis ser do contra. “E lá fui, com as minhas posses”, relata Manuel Barbosa.

Mais de 40 anos passaram. Manuel vai falando, falando, falando, enquanto o milho branco sai feito farinha. O barulho da pedra que gira e da mó que tritura pouco atrapalha. Em Casaldate não há assim tanta gente com quem falar (a freguesia, Parada, tem cerca de 300 habitantes) e a mulher, não sabemos se para o bem ou para o mal, saiu-lhe na rifa, literalmente (eram três irmãs; Manuel escreveu o nome de cada uma num papel e lá tirou o nome daquela com quem iria casar). Mas a razão para se taramelar aos 90 é outra. “Uma criança vê tudo e enrola tudo. Depois chega-se a uma certa idade em que se desenrola.” Da mesma maneira que no moinho entram os grãos de milho e por algum lado tem de sair a farinha, moída a frio e de “milho antigo”, o que lhe dá outro sabor, assegura o moleiro. É este milho que vai dar a broa, símbolo forte do Minho e da cultura nacional do pão, mas são poucos os que ainda a fazem como antigamente. Vamos ver como é nas mãos da dona São, mais abaixo, em Vascões, antiga colónia agrícola erguida pela Junta de Colonização Interna (JCI), na década de 1950. Tiago Cunha, vice-presidente da Câmara Municipal de Paredes de Coura, vai ao volante. Há-de levarnos à Paisagem Protegida de Corno de Bico, à Casa Grande de Romarigães (lugar-romance de Aquilino Ribeiro) e às margens do Taboão despidas da imagem festivaleira do Verão. Há-de garantir, ainda, que “Coura é completamente moldada pela água”. Mas o chamariz, para já, é a broa. Dona São está no forno comunitário, um casinhoto à entrada da colónia, para onde subimos entre carvalhos e castanheiros. Era aqui que antes se vinha fazer pão, pelo menos uma vez por semana, época em que as farinhas puras e a massa-mãe faziam-no durar muito. Já há broa feita, mas São mostra como se deve “amatagar” (juntar as farinhas de milho, trigo e centeio à água quente com ajuda de uma colher de pau; palavra que não existe no dicionário português e que provavelmente terá vindo da vizinha Espanha) e levar as mãos à massa, soltando-a de vez em quando contra a bancada. É como se lavasse roupa, coisa que bem teve de fazer, milhares de vezes, na água gelada do Inverno minhoto, que as máquinas chegaram mais tarde. Depois a massa vai à cunca e ao forno e à boca. “Antes vinhase aqui cozer o pão”, repete São. Agora, “as pessoas vêm ver”. “Quando são estrangeiros, então, querem ver tudo.” 

Água para produção

Quem vem ver, no entanto, não chega pela broa, mas sim porque Vascões é uma experiência do passado. Na Travessa da Senhora dos Caminhos uma placa enquadra: “Pedi a Deus um conselho/ Para encontrar alegria/ Deus mostrou-me a terra e disse:/ Trabalha, semeia e cria.” Estamos na cabeça de Salazar e na última de sete colónias agrícolas a serem construídas em terrenos despovoados, baldios e férteis do Norte e Centro do país durante o Estado Novo. Uma experiência de produção idealizada e escolhida não só pela qualidade dos solos como pela abundância de água. Nos 400 hectares de Vascões, Chã de Lamas, o grande produto era a batata, “campos, campos e mais campos... Mas as pessoas não trabalhavam para elas, os engenheiros [responsáveis da JCI] depois levavam a batata não sei para onde”, conta dona São, enquanto amassa. Não era exactamente assim. Uma parte da produção destinava-se às famílias e os colonos recebiam um rendimento íntimo. “Uma miséria”, diz um. “Mas chegava”, diz o outro. São dois dos quatro colonos que ficaram na povoação, após a extinção do projecto, em 1972.

 

Em trilhos e sobre a madeira, caminha-se à sombra de amieiros e salgueiros, encontra-se o carvalho alvarinho, avista-se um bico de lacre, um chapim azul ou uma ferreirinha. Na paisagem protegida das lagoas de Bertiandos e São Pedro de Arcos, em Ponte de Lima, zona criada no ano 2000, há passadiços para que possamos “planar” sobre a água e assim percorrer uma parte dos 350 hectares que envolvem as lagoas e as margens do rio Estorãos.

As zonas húmidas são dos lugares mais produtivos da biosfera, daí que as 508 espécies vegetais, 144 de aves, 24 de anfíbios e répteis, entre outros animais, que aqui se encontram e alimentam não surpreendam os mais conhecedores. Para quem os procura, existem dez passeios possíveis. Um é o Percurso da Lagoa, que entra por São Pedro de Arcos e deixa-nos, suspensos, a ver nenúfares ou sentados num banco a olhar para um espelho de água. A lagoa é, na verdade, o transbordar do rio, tal como por vezes ocupa os lugares de pastagem do gado bovino de raças minhotas, como a cachena, criando uma paisagem muito pouco comum.

Descer a serra em duas rodas 

Também em parte sobre uma estrutura de madeira podemos percorrer uma das margens do rio Lima, já do lado de Arcos de Valdevez. Vamos com a Tobogã, que aluga bicicletas eléctricas e prepara passeios no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Levam-nos desde a Porta do Mezio (uma das entradas do parque) até ao Soajo e pela beira-rio frondosa, carregada de árvores.

Pela Ecovia do Ermelo, a albufeira de Touvelo é o lugar em que o rio pasma enquanto nós corremos. O percurso fácil, em grande parte plano, permite ir depressa e olhar em volta. Já perto do Æm, vemos uma águia cruzar o céu. Subirá à serra do Mezio, beberá dos riachos, espreitará as laranjeiras de Ermelo. Não temos a visão da águia, mas com a electricidade conseguimos planar mesmo nas subidas, como aconteceu em plena serra. “Esta é a melhor forma de explorar este tipo de terrenos e conseguir ver tudo”, dizem-nos os guias da Tobogã, depois de uma curta saída do selim para espreitar a límpida lagoa de Travanca, a esfriar entre as rochas do Gerês.

 

Ebike Geres
Geres Turismo Portugal
Minho Portugal Geres
Portugal North Tourism

 

Artigo escrito por Rute Barbedo para a revista Fugas a dia 29 de Agosto de 2020


TOBOGÂ PORTUGAL ADVENTURE TOURS

Peneda-Gerês Adventure Center
Lugar da Igreja - Junta de Freguesia
4980-312 Entre Ambos Os Rios,
Viana Do Castelo

Phone: +351 915 707 938 (call for PT national mobile line/ phone).

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